
Duração: 4 meses
Orientação: Thiago Abel
Este laboratório convida você a embarcar em uma jornada de criação artística, onde cultivaremos, germinaremos, frutificaremos e floresceremos nossos "Solos de Dança". Durante quatro meses, investigaremos uma noção de "criação de solo" para além do comumente compreendido, amparado na compreensão desse enquanto território fértil de possibilidades que se elabora a partir dos encontros e seus afetos.
Solo: superfície sólida onde pisamos e construímos. Conjunto de partículas que constituem a crosta terrestre, desde os profundos depósitos geológicos até as camadas de superfície. Espaço arável, não consolidado, que inclui matérias que favorecem o desenvolvimento orgânico.
Cultivando a germinação de solos criativos:
Com encontros semanais de 3 horas de duração cada, a estrutura de trabalho seguirá com:
– Preparação Corporal
– Dinâmicas de Improvisação e Criação
– Processos Cartográficos: mapeamentos de poéticas, forças, fluxos e formas
– Seleções e Sínteses de Material: tessitura dramatúrgica
– Montagem Cênica
A duração de cada procedimento realizado no plano de ensaio varia de acordo com as necessidades do processo.
Preparando o terreno para a criação:
A Preparação Corporal estará amparada na união de elementos das proposições da educação somática (em especial Feldenkrais, Laban), como também da dança moderna e contemporânea, com o intuito de nos preparar para reconhecer e jogar com as qualidades expressivas do próprio corpo, buscando diariamente aprofundar e adensar os conteúdos que surgirão.
Mergulhar na escuridão, germinar nas profundezas, brotar em direção à luz:
Após a preparação corporal, embarcaremos nas Dinâmicas de Improvisação e Criação, inspiradas nos procedimentos de criação de Tatsumi Hijikata, Kazuo Ohno e do Núcleo Experimental de Butô. Através de exercícios e procedimentos criativos, exploraremos nossas sensações físicas, emoções e memórias, buscando dar forma a um universo pessoal e único de movimento.
Auscultar o solo:
Com base nos materiais gerados nas improvisações, iniciaremos os processos de mapeamento do solo. Para auxiliar nesse processo, utilizaremos três ferramentas de Cartografia:
Cartografia Sensorial: Inspirando-se na técnica cartográfica de Tatsumi Hijikata conhecida como Butô-Fu, utilizaremos imagens, pinturas, colagens, poemas etc. para mapear os movimentos de modo interstextual e sensorial.
Tabela Cartográfica: Seguindo a metodologia de Graziela Rodrigues, registraremos as ações psicofísicas mais marcantes de cada ensaio, analisando-as em termos de movimento, sensação, paisagem, emoção e modelagem. Essa análise nos permitirá selecionar os elementos mais potentes da criação para direcionar o processo de tessitura dramatúrgica.
Mandalas: adaptação de uma proposição da Taanteatro Cia., exercício desafiador que propõe aos dançarinos a transmutação de seus movimentos em Arte Visual. Através da criação de mandalas, os participantes mergulham em um processo de metamorfose, buscando transcriar a potência daquilo que lhes dança na carne em materiais orgânicos e inorgânicos.
A relevância destas cartografias é trazer à ação cênica elementos que auxiliem na composição de danças que não sejam meramente visuais, mas que também comunguem com os demais sentidos, ampliando as percepções para elaborarmos novos caminhos de fazer dança.
Cuidar do plantio, preparar-se para a colheita:
A partir do momento que elementos pessoais e coletivos venham à tona no corpo, e, ao reconhecê-los e explorá-los, iniciaremos o processo de Seleção e Síntese de Material que virá a ser encadeado em uma Tessitura Dramatúrgica, oriunda do material coletado pelas cartografias anteriormente citadas. É esta estrutura que resultará em uma Montagem Cênica onde todos os solos são conectados, gerando um trabalho em dança ao mesmo tempo coletivo e particular, a partir de dinâmicas cênicas ligadas a noção de coro-corifeu.
Criaremos então um Roteiro-Grade: desenvolvido a partir da metodologia da Taanteatro Companhia, o Roteiro-Grade nos auxiliará a estruturar o solo, definindo ação e duração, movimento (com porcentagem de energia), paisagem, sensação, atmosfera tensiva (podendo apontar intenções e estados), foco e atenção, matriz poética / modelagem.
Por fim, afinado às prerrogativas do que aqui se propõem enquanto butô, toda a concepção de cenário, figurino, sonoplastia e iluminação será desenvolvida durante o processo, levando em consideração as necessidades e demandas advindas do dançarino, dos temas elencados, das imagens, sensações e modelagens. Todos estes elementos serão selecionados a partir da afinação com os conteúdos desenvolvidos em cada solo.
Florescer, frutificar... desconstruções para encontrar a vida:
O trabalho desenvolvido pelo Núcleo Experimental de Butô não busca a produção de uma corporeidade específica, com gestos e movimentos já determinados previamente e que devem, portanto, serem alcançados. Os exercícios e procedimentos de criação trabalhados se dão a partir das matrizes (po)éticas de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno: metáforas imagéticas e sensoriais presentes em seus textos-manifestos. O intuito dos fundadores do butô de proporem aos artistas uma investigação desta categoria tinha o intuito de eliminar as cristalizações e lugares comuns do corpo, propondo explorações imbuídas de sentidos, ampliando a gama de percepção corporal e a concepção do movimento. Tanto Hijikata como Ohno compartilhavam da crítica aos automatismos do corpo-social, o protagonismo da razão, o self-egóico demasiado humano dos sujeitos e as barreiras rígidas que separam o corpo do cosmos. Todas essas imposições que pesam sobre os corpos são formatações sociais e é lançando-se em guerra contra elas que o Butô se coloca, travando uma batalha contra as formatações e ousando uma deformação das formas desse corpo social.
A dança se coloca, nesse sentido, como meio sem fim pelo qual esse corpo social é sacrificado, é morto, para que possa se escavar no corpo possibilidades para além do sujeito racional e ensimesmado: abrindo espaço para as potências da carne. Portanto, é impossível trabalhar com a noção da formação de dançarinos de butô: o Núcleo não busca formar corpos, mas sim deformar aquilo que é cotidianamente formatado, para que as fronteiras entre o corpo e o mundo se borrem e o corpo possa enfim ser dançado pelas forças e formas cósmicas.
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OBJETIVOS ARTÍSTICOS:
– Compartilhar procedimentos de treinamento e criação do Núcleo Experimental de Butô;
– Auxiliar no desenvolvimento artístico e pessoal dos participantes;
– Orientar a criação, montagem e apresentação de "solos" em dança;
– Colaborar com as investigações dos demais artistas/pesquisadores/criadores envolvidos;
– Debater acerca dos diversos fazeres artísticos envolvidos;
– Aprofundar os estudos acerca da dança butô no Brasil.
OBJETIVOS TÉCNICOS:
- Compartilhar o Caibalion, treinamento psicofísico do Núcleo Experimental de Butô inspirado pela metodologia do artista japonês Tatsumi Hijikata, cuja capacidade é possibilitar a descoberta e experienciação de conteúdos latentes, relacionados tanto à singularidade de cada pessoa envolvida como à comunidade a que pertence;
- Exercitar as técnicas cartográficas (mapeamento de si, mapeamento do mundo) do Núcleo Experimental de Butô, com base nas estratégias surrealistas de escrita automática e registro dos sonhos, como também a partir dos estudos de Thiago Abel acerca das A-Notações de Tatsumi Hijikata, conhecidas como Butô-fu;
- Proporcionar um espaço de criação que se alicerce nas lógicas do gestar e do parir, dando tempo e escuta para que os conteúdos íntimos de cada participante aflorem e mobilizem criações (de/em vida), opondo-se às lógicas neoliberais producente, fabril, racionalizadora, dedutiva. Criar a partir de caminhos cognitivos outros. Instaurar uma noção de criação que vá para além das perspectivas habituais.
OBJETIVOS (PO)ÉTICOS E (MICRO)POLÍTICOS:
- Exercitar o butô como um dispositivo micropolítico do corpo que, a partir do exercício de repensar as singularidades dos seres, converte estados de vulnerabilidade em potencial campo de resistência, transformação e combate;
– Proporcionar vivências (psicofísicas e políticas) a partir das poéticas de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno;
– Estimular fazeres micropolíticos que mobilizem tanto a vida dos participantes como a comunidade ao redor;
– Experienciar a dança como potencial operadora de desestabilização de poderes, morais, tabus, convenções;
– Mobilizar a carne a partir de ações que potencializem porvires e outros modos de existência;
– Vivenciar e defender a dança enquanto possibilidade de criação não só artística, mas também ética, política, clínica, epistemológica, ecológica, etc., compreendendo-a para além de um mero gênero ou linguagem fechada em si mesma.
- Abrir espaço para ser dançado pelas urgências de seus respectivos tempos e espaços.
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Os laboratórios de investigação, treinamento e criação do Núcleo Experimental de Butô são uma possibilidade de vivenciar proposições relacionadas à dança butô em um processo contínuo e integral. Em um cenário repleto oficinas de curta duração que introduzem conceitos e saberes, mas que não oferecem tempo hábil para o desenvolvimento e incorporação desses, é primordial a existência de uma plataforma que possibilite a constância do exercício, ainda mais quando se trata desta manifestação artística que demanda anos de treinamento para a corporificação das inquietantes e árduas (po)éticas de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno.
Dimensão Laboratorial: espaço existente entre vida e arte, entre técnica e pessoa. Um laboratório cênico-performático implica em primeiro lugar numa transmutação do próprio participante. Espaço onde a pessoa criadora pode testar experiências e treinamentos que potencializem sua vida, suas criações e consequentemente, as transformações que ambas operarão em contato com sua comunidade.
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Pré-requisito: ter participado da oficina Butô & as (po)éticas de Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno ou do Laboratório contínuo de práticas livres em dança butô. Tais ações do Núcleo Experimental de Butô são atividades introdutórias e iniciáticas que potencializam a compreensão, o treinamento e o fazer artístico dos participantes neste laboratório de nível intermediário, que demanda um conhecimento prévio acerca das perspectivas e metodologias da companhia.